Os banhos
É então que chegamos a um dos temas mais
mitologizados pelo senso-comum a respeito do período medieval: os banhos! Fernand Braudel (1902-1985) e Régine
Pernoud (1909-1998) já “descobriram”, há mais de trinta anos: tomava-se muito
mais banho na Idade Média do que no período moderno− aliás, era-se muito mais
feliz na Idade Média que na Modernidade!
Em uma profunda tina de madeira − exatamente como
um ofurô (風呂)
oriental − o homem toma banho enquanto sua esposa amorosamente o esfrega (cena,
aliás, típica na história da civilização pelo menos até o século XIX). In: KONIECZNY,
Peter, ALVAREZ, Sandra. “Did
people in the Middle Ages take baths?”, Medievalists.Net (com
vasta bibliografia e citações de fontes de época − Magninius Mediolanesis [séc.
XIV], Pietro da Tossignano [séc. XIV], John Russell [séc. XV]). Acrescentamos:
Ramon Llull (1232-1316) em sua obra Doutrina
para crianças
(Doctrina pueril), dedicada ao filho, aconselha: um bom banho às
vezes vale muito mais do que receitas médicas! (“Filho, sangrias, dietas,
vômitos, banhos e muitas outras coisas são contra a ocasião da doença, e são
mais seguras que as receitas, os letovaris, os xaropes e as outras coisas
compostas da medicina simples”, cap. LXXVIII [Da Ciência da Medicina],
25).
Temos conhecimento de banhos na Idade Média,
documentalmente falando, pelo menos desde o século IX: Einhard (770-840) nos
conta que Carlos Magno (742-814) adorava tomar banho não só com seus filhos,
mas também com nobres e amigos, e, vez ou outra, a tropa de seus seguidores ou
sua escolta: algumas vezes cem ou mais pessoas se banhavam com ele! (Vida
de Carlos Magno,
XX).36
Assim, quando Arnau de Vilanova aconselha banhos
regulares ao rei (ou sauna), com água morna e rosas, nada mais faz do que
manter a longa tradição medieval de higiene corporal:
“Aprés
concideracion del exercici, se seguex concideració del bany, per tal car comple
lo seu deffaliment. Car, en regiment de sanitat, aquels solament se banyen als
quals, per tal con no són exercitatz ho per molt menyar, moltitut de
sobrefluïtatz és ajustada e∙ls brahons e entre la carn e la cotna; ho aquels
als quals és mester lavament del cors per gran suor, ho per exercici, ho per
altra raó. E per ço als primés és bon e covinent bany [d’estuba], a escomoura
la suor; e als altres, banys d’aygua alavan. Mas negun d’aquests banys no és
mester a cors atemprat ho abundant de sanc, si atempradament menga e és
exercitat; car no à mester alavar a suar, ne encare alavar per rahó de la
suor.”
“E si per
ventura, per rahó del exercici qui escomou la suor, alcuna veguade era a hom
mester de lavar, mester és que la aygua no sia trop calda, mas sia tèbea, axí
con aquela la qual és calfada d’estiu per la calor del sol, e sien gitades en lo
bany roses bulides d’una bulor”.
“Após considerações sobre o exercício, tratemos do
banho, pois isso substitui a falta do primeiro. Nas Regras da Saúde,
aqueles que somente se banham, por não se exercitarem e muito comerem, acumulam
um excesso de superfluidades nos braços e entre a carne e a pele. Por sua vez,
àqueles aos quais é necessário lavar o corpo por seu suor excessivo graças ao
exercício, é-o por outro motivo. Aos primeiros, é bom e conveniente o banho de
estufa para remover o suor; aos outros, simplesmente banhos d’água. Mas nenhum
desses banhos é necessário ao corpo temperado com abundância de sangue, pois
este temperamento auto estimula o corpo, e faz com que ele não necessite ter
seu suor lavado, tampouco lavá-lo por causa do suor.
E, se porventura, por razão de algum exercício que
libere o suor, alguma vez for necessário lavá-lo, é importante que a água não
esteja muito quente, mas morna, assim como aquela que é aquecida no verão pelo
calor do Sol, e que sejam postas rosas fervidas no banho” (III.1).
Além de se tomar banhos, deve-se lavar os pés
(III.2.) − segundo o médico, para se conservar a audição e a memória! − e a
cabeça (III.3.) − essa sim, no máximo uma vez por semana, e nunca após comer.
Deve-se ainda comer moderadamente, de modo que o ventre não se inflame em
demasia (IV.3.) e com uma correta mastigação (IV.5.). Em relação à bebida,
Arnau desaconselha que se beba vinho mesclado com gesso (ou cal), ao que
parece, um hábito da época (IV.7). Há vários conselhos de como se deve descansar
(cap. V), inclusive com uma breve prescrição sobre a vida sexual (VI.1.): não
se deve ter relações sexuais após comer, mas despois de ter dormido, e com um
“intervalo conveniente” entre um ato e outro, pois a ejaculação envelhece o
homem e faz com que o “decaimento” chegue antes do tempo!
https://www.ricardocosta.com/artigo/o-regimen-sanitatis-1308-de-arnau-de-vilanova
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