quinta-feira, 9 de junho de 2022

O banho na idade média

 Os banhos

É então que chegamos a um dos temas mais mitologizados pelo senso-comum a respeito do período medieval: os banhos! Fernand Braudel (1902-1985) e Régine Pernoud (1909-1998) já “descobriram”, há mais de trinta anos: tomava-se muito mais banho na Idade Média do que no período moderno− aliás, era-se muito mais feliz na Idade Média que na Modernidade!

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Em uma profunda tina de madeira − exatamente como um ofurô (風呂) oriental − o homem toma banho enquanto sua esposa amorosamente o esfrega (cena, aliás, típica na história da civilização pelo menos até o século XIX). In: KONIECZNY, Peter, ALVAREZ, Sandra. “Did people in the Middle Ages take baths?”, Medievalists.Net (com vasta bibliografia e citações de fontes de época − Magninius Mediolanesis [séc. XIV], Pietro da Tossignano [séc. XIV], John Russell [séc. XV]). Acrescentamos: Ramon Llull (1232-1316) em sua obra Doutrina para crianças (Doctrina pueril), dedicada ao filho, aconselha: um bom banho às vezes vale muito mais do que receitas médicas! (“Filho, sangrias, dietas, vômitos, banhos e muitas outras coisas são contra a ocasião da doença, e são mais seguras que as receitas, os letovaris, os xaropes e as outras coisas compostas da medicina simples”, cap. LXXVIII [Da Ciência da Medicina], 25).

Temos conhecimento de banhos na Idade Média, documentalmente falando, pelo menos desde o século IX: Einhard (770-840) nos conta que Carlos Magno (742-814) adorava tomar banho não só com seus filhos, mas também com nobres e amigos, e, vez ou outra, a tropa de seus seguidores ou sua escolta: algumas vezes cem ou mais pessoas se banhavam com ele! (Vida de Carlos Magno, XX).36

Assim, quando Arnau de Vilanova aconselha banhos regulares ao rei (ou sauna), com água morna e rosas, nada mais faz do que manter a longa tradição medieval de higiene corporal:

“Aprés concideracion del exercici, se seguex concideració del bany, per tal car comple lo seu deffaliment. Car, en regiment de sanitat, aquels solament se banyen als quals, per tal con no són exercitatz ho per molt menyar, moltitut de sobrefluïtatz és ajustada e∙ls brahons e entre la carn e la cotna; ho aquels als quals és mester lavament del cors per gran suor, ho per exercici, ho per altra raó. E per ço als primés és bon e covinent bany [d’estuba], a escomoura la suor; e als altres, banys d’aygua alavan. Mas negun d’aquests banys no és mester a cors atemprat ho abundant de sanc, si atempradament menga e és exercitat; car no à mester alavar a suar, ne encare alavar per rahó de la suor.”

“E si per ventura, per rahó del exercici qui escomou la suor, alcuna veguade era a hom mester de lavar, mester és que la aygua no sia trop calda, mas sia tèbea, axí con aquela la qual és calfada d’estiu per la calor del sol, e sien gitades en lo bany roses bulides d’una bulor”.

“Após considerações sobre o exercício, tratemos do banho, pois isso substitui a falta do primeiro. Nas Regras da Saúde, aqueles que somente se banham, por não se exercitarem e muito comerem, acumulam um excesso de superfluidades nos braços e entre a carne e a pele. Por sua vez, àqueles aos quais é necessário lavar o corpo por seu suor excessivo graças ao exercício, é-o por outro motivo. Aos primeiros, é bom e conveniente o banho de estufa para remover o suor; aos outros, simplesmente banhos d’água. Mas nenhum desses banhos é necessário ao corpo temperado com abundância de sangue, pois este temperamento auto estimula o corpo, e faz com que ele não necessite ter seu suor lavado, tampouco lavá-lo por causa do suor.

E, se porventura, por razão de algum exercício que libere o suor, alguma vez for necessário lavá-lo, é importante que a água não esteja muito quente, mas morna, assim como aquela que é aquecida no verão pelo calor do Sol, e que sejam postas rosas fervidas no banho” (III.1).

Além de se tomar banhos, deve-se lavar os pés (III.2.) − segundo o médico, para se conservar a audição e a memória! − e a cabeça (III.3.) − essa sim, no máximo uma vez por semana, e nunca após comer. Deve-se ainda comer moderadamente, de modo que o ventre não se inflame em demasia (IV.3.) e com uma correta mastigação (IV.5.). Em relação à bebida, Arnau desaconselha que se beba vinho mesclado com gesso (ou cal), ao que parece, um hábito da época (IV.7).  Há vários conselhos de como se deve descansar (cap. V), inclusive com uma breve prescrição sobre a vida sexual (VI.1.): não se deve ter relações sexuais após comer, mas despois de ter dormido, e com um “intervalo conveniente” entre um ato e outro, pois a ejaculação envelhece o homem e faz com que o “decaimento” chegue antes do tempo!

https://www.ricardocosta.com/artigo/o-regimen-sanitatis-1308-de-arnau-de-vilanova

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